quinta-feira, maio 09, 2002

tenho que dividir isso. uma descoberta assim não posso guardar comigo, não é justo. não que as pessoas não saibam. elas certamente sabem, mas fazem que não.

dirigindo nesse dia cinza sob um céu fosco, céu de alumínio, dirigindo na luz sem sombras de um meio-dia baço, abrindo espaço entre fluxos de automóveis e homens, envolto no carro por uma cápsula de vidro e música, é nesse momento que tudo ficou claro: essa cidade singra.

a brisa úmida, o céu que tanto muda, a bruma, tudo denuncia a lenta viagem mar afora.

preste atenção. ouça. o ruído dos motores está sempre lá. na calada da noite, na hora do rush, no urro do gol, os motores estão sempre lá, rugindo surdo e movendo a cidade.

só isso explica a pressa geral, a inquietude de todos, a urgência: somos todos marinheiros. estamos todos na casa das máquinas.

suba no alto dos edifícios, sobrevoe de avião, será inútil: não se vê onde a barca acaba, nunca se vê a linha do oceano. mas em cada beco, nos cantos, no metrô, uma brisa suave indica que a metrópole segue em frente sem olhar para trás.

se ela sabe disso? sabe sim, e de coisas que nem eu sei. os seus olhos têm outro brilho, seu riso tem outro brilho, sua pele tem outro tom, brilhos e tons de quem circula pelo tombadilho, de quem vê de frente o sol, de quem é dona por direito divino do novo mundo.
(ouça aqui a versão falada)