sexta-feira, outubro 26, 2001

uma insônia madrasta me lança nu e só no seio da noite. nu e nem tão novo, só e tão sem sono, olho para a insônia que me pariu e pergunto: quem é o pai nesse parto às avessas? que semente foi essa que fecundou o ventre do meu sonho e me deu não à luz, mas à treva e ao frio?

foi muita luz, talvez. ou o céu muito azul. ou as cores tantas e tão vivas, tão nítidas, tão descaradamente alegres dessa tarde milagrosa que me intoxicaram. talvez.

tentei guardar um pouco delas, dessas cores, desses brilhos fotografando muito, fotografando tudo, para guardar em pilhas de imagens algumas cores para dias menos vivos.

não vi ainda as fotos, mas já sei que da festa de luz, do jorro, das duchas e jatos e rios de vermelhos e azuis e verdes e amarelos elas só apreenderam a escuma, a escória, a casca. o jorro escapa sempre.

nu e só, sob a fraca lâmpada fria, revivo os jorros que vi

vampiro às avessas, protejo meus olhos dessa escuridão sem cor, e sinto correr na jugular o jorro escuro, quente, pulsante que eu julgava quase extinto, jorro que em algum ponto oculto jorra sem que nada o estanque.

algo está me dando de novo vida.
(ouça aqui a versão falada)