quarta-feira, julho 11, 2001

- ouça. o mar está aí dentro.

a concha que aquele adulto me passou era linda, rósea, pesada. brilhava ao sol. meus olhos de menino mal davam conta. minhas mãos de menino mal davam conta. devo ter parecido incrédulo (estava sim desentendido) pois ele acrescentou:

- coloca no ouvido. é verdade.

obediente como sempre, encaixei aquela trompa fria no meu ouvido. era verdade.

o mar estava ali dentro. rugia, bramia, mar bravio na noite perpétua do interior de uma concha. o mar real, líquido e espumante à minha frente não tinha metade do mistério do mar invisível, atemporal, inatingível que eu entreouvia por uma fresta em madrepérola.

(...)

sem que eu estivesse pronto, os olhos dela se alinharam com os meus. o mar estava ali dentro. todo o vento do mundo estava ali dentro, todo o fogo do mundo rugia ali, e o rio do tempo zunia nos meus ouvidos como torrente, labareda, vendaval.

em um instante, seus olhos eram olhos de novo. belos olhos.
(ouça aqui a versão falada)